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Guilherme Faura
Você se acha durão por saber fazer demonstrações matemáticas na física? Experiencie uma crítica à cultura da arrogância acadêmica. Descubra por que o conhecimento vai muito além do que o pensamento mecânico e como a verdadeira paixão pela física pode moldar o futuro da ciência.
Cursando física eu percebi que existe um grupo de pessoas (não todas) que parecem ter algum tipo de problema de autoconfiança e se “blindam” com um grande ego ao redor da habilidade de fazer demonstrações matemáticas, se gabando de forma exageradamente desnecessária, possuindo uma atitude de tentar se mostrar superior a todo momento — inclusive a todo custo, muitas vezes até tornando soluções de questões físicas simples em soluções desnecessariamente complexas — sendo uma dessas possíveis razões psicológicas o ego. E, inclusive, possuem um comportamento elitista arrogante de julgar outros acadêmicos, competindo exageradamente, diminuindo os outros para se provarem “superiores”. O mais triste é que não só são alunos de graduação assim, muitas vezes também da pós-graduação e infelizmente até professores. Esta atitude gera um perigoso potencial de levar toda educação brasileira para o buraco, contaminando pessoas com essa conduta de desmerecer alunos ou desmerecer colegas de trabalho...
O curioso é que: não é que os outros físicos não saibam fazer demonstrações matemáticas e nem estou dizendo que isso não seja importante, muito pelo contrário, na verdade isso é algo fundamental da profissão, mas esse tipo de grupo especifico — essa minoria barulhenta — é exageradamente arrogante e pensa erroneamente que essa atitude signifique “ser físico”, ao ponto de ignorar uma série de habilidades instrumentais, experimentais, conceituais e didáticas que deveriam estar atrelada com o estudo da física — que por sinal, muitas vezes são habilidades até mais complexas que a própria parte teórica-matemática. Afinal, tudo pode ser complexo se você olhar profundamente, até para questões simples que ignoramos no cotidiano como fritar um ovo há uma riqueza de conhecimento físico envolvido. A parte matemática na verdade é muitas vezes a parte mais fácil da física. Difícil é ter uma mentalidade genial, um espírito de cientista, tais como os cientistas que construiram uma base conceitual inteira de fenômenos e fizeram grandes avanços do conhecimento humano como Isaac Newton, Albert Einstein, Marie Curie e muitos outros.
A demonstração física-matemática, no geral, significa pegar uma equação já existente como ponto de partida, algo que já foi pensado e calculado por alguém antes muitas vezes no passado e você "abre" ela matematicamente — fazendo substituições de equações interligadas — até demonstrar que ela é matematicamente correta com o cálculo diferencial e integral, ou seja, uma forma de validação teórica-matemática que demonstra algebricamente os parâmetros de um conceito. Com isso, tem-se uma demonstração física-matemática, que para a física é uma forma análoga de fazer verificações assim como matemáticos fazem provas de teoremas e axiomas, ou seja, uma atitude mais teórica. O ponto é que demonstrações físicas-matemáticas por si só não resolvem um problema físico, isto é só parte de um processo lógico mais profundo.
Novamente, essa é muitas vezes a parte "fácil" da física porque o processo de demonstração física-matemática se torna quase que um algoritmo determinístico, uma sequência predeterminada de passos e manipulações algébricas a serem feitas, que outros já fizeram antes. Um elitismo que surge com uma grosseria desconsiderando outras habilidades e outras pessoas, na prática, não é especial quando faz isso, afinal, estão simplesmente fazendo a parte mecânica e matemática de um processo, que todos os outros fizeram no passado. Então, a arrogância acadêmica não deveria existir.
Além do mais, se não tratar-se de uma pesquisa teórica ou um estudo mais complexo e sofisticado de um tópico, mas sim de uma demonstração física de nível de graduação, então o ato se torna só uma tarefa repetitiva e mecânica que será uma questão de tempo para ser feita pelo estudante em aprendizado, principalmente levando em consideração que nos tempos atuais há recursos computacionais — como por exemplo simulações poderosas e outros recursos tecnológicos — que podem ajudar na resolução, diferentemente de um século atrás. E por regra, a demonstração física deveria ser na verdade a última parte do processo, quando todo o conceitual físico da questão já foi abordado e entendido anteriormente e então o estudante sabe de fato o que está calculando. E é exatamente aí que há uma das graves falhas no ensino de física, devido a arrogância somada com a negligência de docentes.
Para mim, no estudo de física, demonstrações físicas-matemáticas nem deveriam ser as "partes idolatradas" como “memoráveis”, ou consideradas que isso seja “respirar física”. Em um curso de matemática — onde provar teoremas e provar axiomas é algo frequente do cotidiano — essa atitude talvez faça mais sentido e seja mais importante lá. Mas esses indivíduos — com essa mentalidade altamente arrogante — não percebem que na física há um diferencial… O que deve ser dito é que nenhuma descoberta na física é feita só com habilidade matemática pura, ora, se não então todos os indivíduos formados em matemática seriam deuses da física. E, por que pode ser encontrado pessoas da matemática que exibem quase nenhuma habilidade em física por exemplo? Por que se você colocar matemáticos em um laboratório muitas vezes eles podem falhar desastrosamente em um experimento ou em fazer processo laboratorial? Essas questões geram contradições filosóficas e se mostram como críticas dessa ideia errônea da idolatria exagerada do pensamento matemático postulado de forma como "habilidade superior".
E eu sei a resposta sobre esses questionamentos, isso acontece porque na verdade há uma grande diferença entre saber demonstrações matemáticas e saber física realmente. São duas coisas bastante interligadas, mas há uma linha tênue que as separa. Quando você faz demonstrações algébricas ou provas de teoremas — que também são fundamentais — você está fazendo só uma parte do processo, que é lidar com o rigor da matemática e respeitar suas leis matemáticas, mas que não necessariamente signifique que você esteja lidando com o rigor físico da questão também. Novamente, isso por si só não resolve um problema. É como compreender o funcionamento inteiro de um computador, desde sua parte eletrônica mais fundamental, mas não saber uma linguagem de programação específica para usar para resolver de fato um problema com ela. O problema só é resolvido quando há um entendimento de ambas as partes, são complementares, não exclusivas.
É justamente por esta atitude de se ignorar e menosprezar todo o resto que você pode algebricamente fabricar suas próprias regras do universo com sua imaginação e criar uma teoria matematicamente correta mas impossível de se verificar em laboratório. Você pode, por exemplo, imaginar matematicamente uma gravidade contrária onde seu sentido não aponta para o centro da Terra (e na verdade saindo dela, como uma repulsão, não atração), mas isso não é física, isso não é permitido pelas leis da física e não é assim que a gravidade funciona! Uma hipótese na física só se torna verdadeira cientificamente quando provada teoricamente e experimentalmente, do contrário não importa se sua teoria é matematicamente bonita ou não, ela é simplesmente falsa ou não comprovada.
Quando você descarta todo o rigor físico experimental, instrumental, conceitual e didático de uma questão e adora cegamente somente o pensamento matemático como uma cega veneração, você não é mais um físico, você é meramente um matemático, talvez nem isso, já que em matemática pura se lida com provas de teoremas de um caráter ainda mais complexo e conceitos abstratos, como, por exemplo, a ideia de infinito e o cálculo dimensional de dimensões que não enxergamos. Então, para mim, quando o rigor físico e científico é descartado você é meramente um numerólogo com problemas de ego, já que, por definição nem como "matemático" daria para se classificar...
Física é muito mais profundo que isso, física é uma ciência em uma forma inseparável com um aspecto experimental, uma ciência em sua forma mais fundamental, é como entender a natureza de uma forma mais poética possível utilizando a gramática do universo. Coisa que a matemática em sua forma mais geral não tem interesse, ela é uma linguagem com um caráter de estudo abstrato. Há matemáticos que não tem interesse com aplicações, exceto aqueles que estudam matemática aplicada à indústria, por exemplo. Então os matemáticos possuem mais interesse em provar essa linguagem em si, não aplicar necessariamente. Ou seja, existe a matemática pura e a matemática aplicada, mas não há tal coisa como "física pura" e "física aplicada", existe física como um todo.
Saber física é algo muito mais profundo do que só fazer demonstrações físicas-matemáticas, significa que você entende os efeitos envolvidos em um fenômeno, você sabe uma cadeia lógica conceitual profunda e complexa por trás dos fenômenos que as demonstrações matemáticas meramente ilustram de uma forma resumida em algumas letras e símbolos. Você tem que sentar, olhar para a equação por um tempo e realmente pensar profundamente sobre os diferentes casos, as forças envolvidas, a relação entre os conceitos, que as vezes podem estar interligados e gerarem efeitos consecutivos, depois você faz manipulações algébricas para complementar o entendimento e entender os parâmetros... Tudo isso para realmente entender. Se uma demonstração física-matemática fosse um processo completo por si só e exclusivo, então você não precisaria refletir e realmente estudar todo uma cadeia conceitual, pesquisar, fazer experimentos, ou pensar em formas de realmente saber explicar didaticamente. E os indivíduos com essa arrogância acadêmica que se vangloriam por "ter essa mentalidade matemática" ignoram e menosprezam isso, quando na verdade demonstrar uma equação é só uma parte de um processo todo.
Você deveria buscar ter uma mentalidade de físico como um todo. Imagine uma dúvida de física ser respondida só com uma demonstração física-matemática, isso é um sintoma que possivelmente aquele docente na verdade não entende tão bem conceitualmente aquele assunto, é didaticamente desastroso, além de ser uma resposta incompleta e abstrata que ignora toda a existência do caráter experimental da física.
Pegue um tópico da física considerado difícil, a tal famosa física quântica por exemplo, o que torna ela difícil? É justamente que é conceitualmente muito densa, experimentalmente complexa e didaticamente contraintuitiva de se ensinar. É difícil só de compreender os conceitos ou imaginar os fenômenos, o que torna a parte matemática ainda mais difícil já que você tem só uma vaga ideia do que está calculando. É uma área que contorce a intuição humana e que aparentemente se comporta diferente do mundo macroscópico. Ou seja, isso mostra que nesse caso o processo como um todo é complexo.
Para mim, Guilherme Faura, o que é belo da física é justamente que, diferentemente da matemática, a física é uma ciência experimental interessada em estudar nosso mundo — que você vive todos os dias, que pode testar em laboratório e observar fenômenos que existem na própria fundação do universo acontecendo na sua frente, que você pode imaginar cadeias de efeitos e pode pensar em muitas formas de se provar experimentalmente que um fenômeno é real ou não e que o universo funciona de tal forma, que o universo é lindo e que o seu comportamento mais profundo gera questões até filosóficas sobre nossa própria existência. Mas um avanço do conhecimento científico só é possível se a física como um todo for realmente entendida profundamente e isso não significa ser só bom em matemática. Foi assim com toda descoberta na física.
Einstein talvez seja o melhor exemplo para se refletir sobre isso, Einstein não descobriu a teoria da Relatividade porque era um bom matemático, mas sim porque na verdade era um excelente físico. Quase ninguém estava se quer fazendo contas sobre isso naquele tempo, visto que, a maioria estava focada no início da teoria quântica, o que mudou seu tempo e expandiu todo um horizonte de outras questões. Em um “dia comum” lá estava Einstein em um trem imaginando experimentos mentais com muitos efeitos físicos envolvidos, com toda aquela intensidade da curiosidade científica em sua mente, pensando o que mais ninguém pensava na época, inclusive não só pensando na teoria, mas sugerindo experimentos que justamente provassem suas ideias. Isso é ser um excelente físico. E em suas próprias palavras:
“A imaginação é mais importante que o conhecimento.”
—Frase atribuída a Albert Einstein
Enquanto que na mesma época os mais teóricos, com uma mentalidade arrogante, tiveram a ousadia gigante para subestimar a natureza da ciência experimental no passado, menosprezando-a e pensando que a física estava quase toda resolvida naquele tempo. Mal eles sabiam naquele mesmo tempo que uma grande quantidade de experimentos da época na verdade mostravam que a física estava longe de estar completa e que foi a física experimental — com o avanço da tecnologia e da instrumentação científica — que evidenciou a maioria das questões em aberto da física — que continuam em aberto até os dias de hoje!
“Não há nada de novo a ser descoberto na física agora. Tudo o que resta é uma medição cada vez mais precisa.”
—Frase atribuída a Lorde Kelvin
Mal eles sabiam…
Por fim, uma expressão que eu ouvi em um evento da universidade por uma professora que nunca esqueci foi: “Que todos nós sejamos físicos de sangue.”, ela queria dizer que todos se tornassem verdadeiros físicos de paixão, amar o estudo da física. Então vou repeti-la para desejar que todos nós sejamos físicos de sangue e combatentes a essa arrogância acadêmica para que realmente busquemos acrescentar ao conhecimento humano, não ao nosso ego. Pessoalmente quero poder um dia pensar nos cientistas e pessoas que eu admiro e pensar que um dia pude honra-los no meu tempo e acrescentar em um avanço da ciência, que nunca foi por dinheiro, fama ou razões fúteis como arrogância.
Data: 03/10/2023
Motivação: Esta nota foi escrita motivada por conversas com meu colega de universidade, Matheus Brito e seu post falando sua visão sobre este mesmo assunto também.